Que no mercado de mídia brasileiro há uma grande concentração,
aparentemente todos sabemos. Que as verbas publicitárias são divididas
entre poucos veículos e entre poucas organizações, com amplo domínio da
televisão, também não é novidade. Que o mercado é concentrado no eixo
Rio-São Paulo, mandando às favas o preceito constitucional da
regionalização da produção cultural na comunicação social, quase todos
concordamos.
Mas há ao menos uma novidade no horizonte: o poder público,
mais especificamente a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e
Informática da Câmara dos Deputados (CCTCI), finalmente começa a dar
mais atenção para a falta de diversidade e pluralidade nas comunicações
brasileiras. É o que mostra o trabalho da Subcomissão Especial para
Analisar Formas de Financiamento da Mídia Alternativa, que atuou no
âmbito da CCTCI nos últimos dois anos e divulgou seu relatório final no
último dia 25 de outubro (ver aqui).
A subcomissão, instalada em 21 de dezembro de 2011, tinha como objetivo
inicial propor formas de financiamento para os veículos alternativos de
comunicação. Para atingir tal objetivo, a relatora da subcomissão,
deputada Luciana Santos (PCdoB-PE), procurou antes responder a uma
pergunta simples: por que a mídia alternativa – incluindo aí rádios
comunitárias, pequenos jornais de bairro, emissoras de radiodifusão de
pequeno porte, entre outros – tem participação ínfima na distribuição de
verbas destinadas à comunicação social?
A resposta: por causa da concentração de mercado. O relatório mostra
que o meio televisão respondeu, sozinho, por quase 65% do faturamento
bruto da mídia em 2012, seguida muito de longe pelos meios jornal, com
12%; revista, com 6%; rádio, com 4%; e internet, com 5%. O documento
revela também que este bolo destinado à televisão é distribuído
majoritariamente entre as quatro maiores empresas do setor – Globo,
Record, SBT e Band –, das quais a Globo fica com algo próximo a 70%
dessas verbas, cabendo os 30% restantes às demais empresas do setor.
Ressalte-se que o documento produzido pela Subcomissão Especial não
cita uma outra concentração importante de mercado, a vertical. Com essa
concentração, alguns grupos, notadamente as Organizações Globo, retêm
uma fatia ainda maior do faturamento do setor, por meio da exploração
concomitante de veículos de mídia em diversas plataformas, com a posse
direta ou indireta de emissoras de televisão e de rádio, de jornais, de
portais de internet e de outras empresas do setor de mídia.
A influência do Estado
Com um direcionamento tão intenso de verbas para poucos veículos de
comunicação, o resultado esperado não poderia ser outro senão o
subfinanciamento da mídia alternativa. Esta é a conclusão principal do
relatório da Subcomissão Especial. Mas a maior virtude do estudo
produzido pelo órgão da CCTCI não está neste diagnóstico, e sim na
explícita afirmação de que o maior responsável por essa concentração que
condena a mídia alternativa ao limbo, tanto por sua omissão quanto por
sua ação, é o próprio Estado.
Para demonstrar a omissão estatal na regulação da concentração de
propriedade, o trabalho apresenta como exemplo informações da Agência
Nacional de Telecomunicações (Anatel) sobre a propriedade das geradoras e
a formação de redes de televisão no país. Usualmente, a Associação
Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) ressalta a
existência de 350 geradoras de televisão outorgadas no país, bem como o
funcionamento de 9.195 retransmissoras de televisão, como dados
supostamente inequívocos que mostrariam a existência de pluralidade no
setor. A entidade também costuma citar os limites de propriedade
estabelecidos pelo artigo 12 do Decreto-Lei n° 236, de 1967, como um
instituto que “evita o monopólio mediático, estabelecendo limites de
concessões ou permissões por entidade” [ABERT. “Tudo o que você precisa
saber sobre rádio e televisão: licenças, outorgas, taxa de penetração,
receitas, audiência e receptores”, abril/2013, p. 41].
Mas as limitações de propriedade impostas pela legislação para a
radiodifusão têm uma ineficácia vergonhosa, sendo facilmente burladas
pelo sistema de afiliação e pela composição de vastas redes de
transmissão, que contam com centenas ou até mesmo milhares de
retransmissoras espalhadas pelo território nacional. Com esses
instrumentos, segundo os dados da Anatel [fonte: Sistema de Controle de
Radiodifusão – Anatel] reproduzidos no relatório, as quatro maiores
emissoras de televisão do país controlam 202 geradoras (57,71% do total)
e 6.271 retransmissoras (68,20% do total). Esse domínio da
infraestrutura se reflete em domínio de audiência, com uma consequente
oligopolização bastante pronunciada da venda de espaços publicitários.
Mas, como se não bastasse essa omissão, o Estado age ativamente, por
meio de suas políticas, para reforçar ainda mais a concentração do
mercado de comunicação. O relatório da deputada Luciana Santos cita
quatro grandes exemplos: a utilização quase exclusiva de “critérios
técnicos” pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República
(Secom) para a definição da distribuição das verbas oficiais de
publicidade, que destina a maior parte dos recursos do governo federal
para aquisição de mídia aos maiores conglomerados de comunicação; a
falta crônica de investimentos nos órgãos estatais de comunicação
social; a disponibilização de programas de apoio financeiro, como por
exemplo o PROTVD Radiodifusão do BNDES, exclusivamente para as grandes
empresas de mídia; e as restrições legais impostas às emissoras de
radiodifusão comunitárias e educativas, que são proibidas de veicular
publicidade, inclusive publicidade oficial.
Alternativas possíveis
Com base nesse diagnóstico, o relatório da Subcomissão Especial para
Analisar Formas de Financiamento da Mídia Alternativa aponta para a
necessidade de alteração do marco legal das comunicações, com o intuito
de “tornar economicamente viável a atuação dos órgãos de mídia
alternativa”. Entre as propostas sugeridas, estão projetos de lei que
permitem a inserção de anúncios publicitários na programação das
emissoras comunitárias ou educativas; que obrigam o investimento de no
mínimo 20% das verbas publicitárias federais em veículos de mídia
alternativa; que preveem a utilização das verbas do Fundo de
Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) também para a
universalização da radiodifusão; que criam um programa de apoio à mídia
independente, nos moldes já aplicados aos projetos culturais via Lei
Rouanet; e que instituem um fundo de desenvolvimento da mídia
independente, alimentado, entre outras fontes, por uma contribuição de
1% sobre a receita de emissoras de rádio e televisão de médio e grande
porte e de empresas de televisão por assinatura.
São, por certo, medidas bem-vindas, mas que visam apenas minimizar os
efeitos gerados pela concentração no setor de mídia no Brasil. As bases
estruturantes que geram esta concentração, e que são herdadas de longo
tempo, tão longo quanto a própria história das comunicações no Brasil,
estas permaneceriam intactas. Mas atacar essa natureza oligopolizada da
comunicação social brasileira é tarefa muito mais ampla, que não poderia
ser posta em prática por uma subcomissão especial, por uma comissão
permanente ou mesmo por um parlamento. Trata-se de uma tarefa hercúlea,
que inclui uma completa reforma da legislação de comunicações no país e,
portanto, demanda um amplo envolvimento de governo e sociedade.
Porém mesmo estes projetos sugeridos pela subcomissão, mais pontuais,
têm ainda um longo caminho para que sejam efetivamente aprovados e
aplicados. O mais importante contudo, ao menos no curto prazo, é
constatar que o poder público começa a se debruçar sobre este tema
fundamental para a democracia brasileira – a concentração de mercado,
responsável direta pela pouca diversidade de fontes de informação no
país.
Escrito por: Cristiano Aguiar Lopes
Fonte: Observatório da Imprensa
Fonte: Observatório da Imprensa